O podcast do Movimento Sem Terra de Lula (MSTL), o Podlutá, recebeu em sua 17ª edição o jornalista, escritor e educador popular, Frei Betto. Autor de 78 livros, o frade dominicano dividiu com a comunidade do MSTL parte de sua luta e resistência durante a ditadura militar, contou momentos marcantes da vida de Tito de Alencar Lima, o Frei Tito, que tem seu legado homenageado em nosso projeto habitacional, e ainda falou sobre o momento desafiador que o Brasil enfrenta para manter a jovem democracia. A conversa, conduzida por Felipe Marotti, contou com a participação de Eduardo Cardoso, que fez questão de dizer no programa como a luta de Frei Betto se relacionada com a fundação do MSTL. Confira trechos dos melhores momentos:
Ditadura Militar
Os 60 anos do golpe militar no Brasil foram lembrados por Frei Betto no Podlutá. Torturado e preso duas vezes durante o regime de opressão (1964 e 1966) , o líder religioso afirmou que o povo brasileiro precisa ter ciência e consciência do que foi a Ditadura no passado para não repetir o erro no presente e comprometer o futuro do país. Frei Betto conta que a luta travada contra a ditadura militar foi exemplar. Para ele, infelizmente, o movimento estudantil de hoje não tem o vigor militante que tinha em sua época.
“A gente, mesmo antes da ditadura, tinha um protagonismo muito forte no Brasil. Conseguíamos mobilizar a classe trabalhadora, os sindicatos eram muito fortes, e o presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) era um dos poucos que podia ligar para o presidente da República e era pessoalmente atendido devido ao poder político que ele detinha. Quando veio a ditadura, o movimento estudantil teve um papel extremamente importante na resistência. […] No meu livro, Batismo de Sangue, descrevo detalhadamente a luta dos frades dominicanos contra a opressão. Insisto em contar os 21 anos de Ditadura no Brasil porque há toda uma tentativa da extrema direita de desmemorizar a população para que esqueça de todas as atrocidades cometidas no passado”.
Defesa da democracia
Durante a conversa, Frei Betto demonstrou preocupação com a democracia brasileira. Ele lembrou das ameaças feitas durante o governo Bolsonaro e da tentativa fracassada de golpe em 8 de janeiro, em Brasília. Segundo o educador popular, a democracia no Brasil é basicamente burguesa porque é liberal e não governa o povo.
“Os mais jovens devem ter um protagonismo em favor da democracia. Precisam se comprometer coma as forças democráticas, que não são aquelas que defendem o capitalismo, o agronegócio, ou seja: que defenda a elite. A elite está interessada na desigualdade social e na apropriação privada da riqueza. E a gente tem que lutar no sentido contrário. A riqueza tem que ser repartida entre toda a população. É balela falar em democracia pelo fato de a gente ir a cada dois anos nas urnas votar. Só haverá a verdadeira democracia quando a riqueza for compartilhada. Não basta todos terem o direito de escolher os políticos que nos governam. O Brasil precisa que todos tenham o direito de usufruir da riqueza que esse país produz”, disse.
Frei Betto X MSTL
Exemplo de luta por igualdade, justiça social, defesa dos mais vulneráveis, Frei Betto é fonte de inspiração para o MSTL. Eduardo Cardoso, coordenador-geral da entidade, conta que em 2005, quando a organização foi consolidada, a direção tinha o desejo de dar o nome do movimento de alguém importante na luta popular.
“Foi assim que pensamos em dar o nome do Frei Betto a nossa organização. […] À época ele autorizou, aconselhando a gente a ter juízo porque era o seu nome que estava no projeto. Para gente foi muito emocionante porque criamos a organização em 2005. Em 2009, foi criado o Minha Casa Minha Vida. Foi aí que a gente criou o MSTL. Fazíamos trabalhos sociais nas comunidades, mas quando surgiu o MCMV foi necessário um nome de movimento para puxar a luta da moradia. […] Hoje, quando vejo que a gente conseguiu organizar o MSTL, as famílias, entregar apartamentos com 54M², com sacada, elevador, sinto muito orgulho da nossa história. A energia dos nomes ajudou e certamente a luta dos homenageados Nelson Mandela e Frei Tito (que originalmente era Frei Betto) contribuiu com a realização do sonho da casa própria para 800 famílias”, contou Cardoso.
Frei Tito
Atualmente, no condomínio Frei Tito, organizado pelo MSTL, moram 500 famílias. Frei Betto fez questão de agradecer a nossa organização pela homenagem a Tito de Alencar Lima e contou no podcast episódios de seu convívio com o frade dominicano.
“Nós formamos um grupo de resistência da ditadura e de luta pela democracia. Éramos em 8 e tínhamos o apoio dos nossos superiores. Nunca pegamos em armas, mas apoiamos a luta armada porque a ditadura começou a reprimir as manifestações operarias, estudantis, populares, com armas, com tanques, com fuzis, com cavalaria. Então,a única maneira de autodefesa era também recorrer as armas. Tito se destacou por ter sido aquele que conseguiu em Ibiúna, um sítio, para o famoso Congresso da União Nacional dos Estudantes. A repressão soube da localização desse sítio e prendeu os estudantes e alguns líderes”, lembrou Frei Betto que emocionado continuou:
“Tito era uma pessoa de temperamento misto. Ele dizia que quando saísse da prisão ia virar monge. […] Preso duas vezes, ele foi o mais torturado de todos nós. Resistiu a três dias de tortura, mas se manteve em silêncio porque queriam que ele confessasse algo que não fez. Um de seus torturadores chegou a dizer que ele jamais esqueceria o preço do seu silêncio. Foi uma satânica profecia. Quando ele foi para o exilo na França, ele via nas ruas de Paris seus torturadores. Era pura alucinação. Mas era uma decorrência do que ele havia sofrido”.
Frei Tito se suicidou-se em 10 de agosto de 1974. Frei Betto conta que, em sua bíblia, ele escreveu que é preferível morrer do que perder a vida. Na data do aniversário de morte do frade dominicano, quando se completam 50 anos de sua partida, haverá uma grande homenagem a ele na Escola Paulo Freire, localizada no Ipiranga, em São Paulo, a partir das 9h.